Como é que o Slow Living influenciou a vida de uma workaholic e ela passou a ter uma vida mais plena e equilibrada?
É isso que vou partilhar contigo. Todos os tropeções, choros e chapadas de luva branca que a vida me deu para me preparar para um modo de vida mais Slow.
A história começa há muitos (muitos) anos quando pensava:
Um dia, vou ler um livro na natureza.
Eh pah, gostava tanto de praticar mais exercício físico.
O meu sonho de criança era praticar uma arte marcial, mas o meu pai nunca me deixou.
E da mesma forma (veloz) que estes pensamentos vinham à minha cabeça, também se iam embora.
Afinal de contas, não havia tempo para isso. Havia responsabilidades a cumprir e equipas que dependiam de mim. Decisões que precisavam de ser tomadas e que não queriam saber se eu estava num jantar de amigos ou a dormir às 4h da manhã.
E que feliz que eu era, neste ritmo frenético e envolvida em mil coisas ao mesmo tempo.
E nem me falasses em abrandar…
E muito menos em Slow Living. Na altura nem conhecia o termo e certamente pensaria “Bahhhh, que seca. Que vida monótona que deve ser…”
O que é o Slow Living?
Ai, santa ignorância minha. Já dizia Socrates “Sábio é aquele que conhece os limites da própria ignorância.” E apesar de eu (sabiamente) saber que sou ignorante em múltiplas coisas, desconhecia outra forma de viver.
Sim, o Slow Living é muito mais do que um estilo de vida.
É uma forma diferente de encarar este mundo frenético em que vivemos.
- É um abrandar.
- É termos tempo para parar e estar em silêncio.
- É termos tempo para nos ouvirmos e sentirmos.
Uma slow life é um luxo nesta sociedade moderna, mas que está acessível a todos, porque se trata de apreciar as coisas simples da vida:
- um sol que nos aquece a cara
- um “obrigada” a um desconhecido, olhos nos olhos
- o sabor de um tomate cereja que nos explode na boca
- um “Gosto muito de ti”
- um estar (verdadeiramente) presente a brincar com os filhos
Sim, o presente é mesmo o melhor presente que podemos oferecer a nós próprios e aos outros.
Origem do Slow Living
E se muitos dizem que Slow Living é uma parte do movimento de Slow Food e que nasceu em Itália, na década de 80 com Carlo Petrini, eu acho que a sua origem é muito mais remota.
No passado:
- Era à volta da fogueira que se estreitavam laços, se contavam histórias e se ensinavam as crianças;
- Era o sol que ditava o fim do trabalho e o início do descanso até ao próximo dia;
- Era ao 7º ano que se deixava a terra descansar sem se cultivar nada durante 1 ano. (e assim nascem as licenças de sabática, para parar e refletir sobre os próximos tempos).
Esta forma de viver sem tantas informações para gerir e comparações para digerir, tornava a vida mais simples.
Hoje em dia, queremos TER e FAZER tudo. Queremos ter uma carreira de sucesso, fazer aquela formação conceituada, ter novas experiências, praticar mais exercício, ler mais, ser uma mamã ou um papá exemplar… enfim… o nível de exigência que colocamos nas nossas vidas é tão alto, que nos sentimos assoberbados porque parece que estamos a falhar. A perder algo.
E eu também queria TER e FAZER tudo.
E a verdade é que o meu sangue, suor e lágrimas estava a compensar. Fui promovida e ganhei mais dinheiro. Tudo corria conforme o planeado para conseguir “chegar ao topo” e sentir-me bem-sucedida (na altura não sabia bem o que isto era).
Até que…
As consequências de uma vida frenética – 3 acontecimentos marcantes
Esta azáfama diária levou-me a 3 momentos marcantes, que me ajudaram a iniciar a minha Slow Life, rumo a uma vida mais plena e equilibrada.
Momento 1: úlcera dilacerante
Uma úlcera. Este foi o primeiro sinal de aviso, vindo do meu corpo.
Na altura trabalhava na Bosch como responsável de produção e gestora de projetos de melhoria contínua. Trabalhava 10h, 12h, 14horas, sábados e até domingos para alcançar os objetivos que me propunham.
E consegui. Ganhei mais reconhecimento, mais dinheiro e… uma valente úlcera.
Na altura, não sabia o que tinha. Apenas sentia umas dores dilacerantes que parecia que estava a ser cortada por dentro. Até a minha própria saliva o corpo rejeitava.
Não parei de trabalhar. Não podia (pensava eu). Este foi o 1º momento em que o meu corpo me dizia algo.
Mas…
Não havia tempo para ouvir.
Não havia tempo para abrandar.
Não havia tempo para cuidar de mim.
Por isso, toca a tomar a medicação e seguir em frente com as longas jornadas de trabalho.
O que aprendi com a úlcera:
Nada acontece por acaso e esta caminhada na Bosch, deu-me muito mais, do que muito trabalho.
Abriu-me as portas para um conhecimento que hoje me permite trabalhar cerca de 4 horas por dia: as metodologias japonesas Kaizen.
kai= mudar
Zen = Melhor
Estas metodologias significam melhoria contínua e estão focadas em eliminar desperdícios de qualquer negócio. Sim, qualquer um.
Entretanto surge um convite. Um novo desafio profissional como especialista kaizen. E eu aceito, com uma condição de mim para mim.
Lição nº 1: Passar a respeitar mais os meus limites e começar a dizer “não”.
Momento 2: choque cultural
O meu segundo aviso aconteceu quando aceitei o convite para trabalhar na Sonae como responsável pela Academia de Formação Kaizen (o projeto IOW – Improving Our Work). Ou seja, além de dar muita formação e liderar uma equipa de formadores internos, era também consultora interna kaizen.
E tal como prometi a mim mesma, reduzi o ritmo e por isso deixei de trabalhar ao fim de semana. Mas… quantas vezes, não me levantava às 3h para apanhar o avião e regressava a casa às 23h, depois de moderar workshops ou dar formação.
Mas o problema não foi este. O problema foi o choque cultural que senti. De uma cultura que valoriza o meu rigor e disciplina a uma cultura que valorizava a flexibilidade e empatia.
Senti que passei de bestial a besta.
Senti que não “encaixava”.
Senti várias vezes as lágrimas a descer pelo rosto abaixo.
Pensei em despedir-me[…].
Não o fiz, com uma condição de mim para mim: conhecer-me melhor.
Foi aqui que contratei uma coach incrível (Cristina Azinhal) que me deu a conhecer a metodologia DISC e os seus 4 perfis (dominante, influente, sereno e cauteloso). Fiz o teste e tive acesso ao meu relatório DISC. Fez-se luz como nunca antes.
Foi aqui que percebi:
– o que me motivava (desafios, mudança)
– como reagia sob pressão (impaciência)
– do que tinha medo (perda de controlo)
– etc etc etc
Ahhh, agora sim compreendia melhor o que estava por detrás de alguns comportamentos meus de impaciência e exigência. E o quanto essa impaciência às vezes me levava a tomar decisões precipitadas. Ou então a magoar algumas pessoas quando não queria nada disto. Apenas queria alcançar resultados.
Foi aqui que decidi trabalhar a minha escuta empática. Que decidi ouvir mais, perguntar mais e falar menos. Muito menos.
Confesso… Foi duro. Muito duro. Lembro-me de chorar baba e ranho, a caminho de casa porque (mais uma vez) não tinha conseguido controlar o meu instinto natural. Ou tinha interrompido alguém ou pressionado a tomar decisões no imediato.
O que aprendi com este choque cultural:
Sim, esta jornada na Sonae trouxe-me algo que faltava em mim… Uma sensibilidade para compreender que todos nós somos diferentes e por isso nos motivamos e valorizamos coisas diferentes.
Como empreendedora, esta metodologia DISC, é fundamental pois ajuda-me a tomar melhores decisões e a entender melhor o meu cliente (o que ele valoriza e como se motiva).
Lição nº 2: Não culpar. Não julgar. Tratar os outros como eles querem ser tratados.
Momento 3: abortos
Ainda a trabalhar na Sonae aconteceu uma coisa maravilhosa. Engravidei! E que felicidade. Que bebé tão desejado!
Mas quis o destino que o feto estivesse morto e tivesse de passar por um processo de aborto. E todo este processo é simplesmente horrível porque não o fazes logo no hospital. Primeiro tentas fazer o aborto em casa através de uns comprimidos. Sim, tens direito às contrações e tudo. E se não funcionar à primeira, fazes novamente os comprimidos. E só depois é que somos internadas para a remoção do feto (com uma cirurgia onde existe o risco de se ficar estéril).
Estás a imaginar a bomba psicológica e física que isto acarreta? Bom, este processo é tão duro, mas tão duro, que não o desejo nem ao meu pior inimigo.
Em resumo, engravidei e tive de abortar 2 vezes. Ou seja, passar pelo processo acima descrito 2x vezes.
Não fiz o processo de aborto, durante a semana, para não deixar de trabalhar.
Não contei a ninguém para não preocupar ninguém.
Não fiquei em casa a recuperar, como recomendado.
Até que…
Engravidei a 3ª vez. Estava em pânico.
O médico deu ordem de paragem imediata. Na altura, tinha cerca de 4 semanas de gravidez. Disse-me que o meu ritmo de trabalho e pressão, aumentavam a probabilidade de algo de mau acontecer novamente. Que não íamos arriscar. Que tinha de parar.
Caiu-me tudo. Como assim parar?
Mas, eu estava em pânico e por isso, tal como um soldadinho obediente, eu parei.
O que aprendi com este choque cultural:
E foi aqui que, pela primeira vez na vida, tive tempo para cuidar de mim. Para cumprir aquele sonho de ler um livro na natureza.
Foi aqui que conheci o poder do ioga na minha criatividade (obrigada Ana Dias).
Foi aqui que me cruzei com o mindfulness e a grandiosidade de estar presente (obrigada Mikaela Övén).
Foi aqui que me libertei das amarras do passado e me inscrevi no Krav Maga – arte marcial de defesa pessoal (obrigada sensei João Pedro Almeida)
Entretanto, a pipoca nasceu e ela é perfeita!
Talvez, tudo o que tenha passado tenha sido o necessário. A vida a dizer-me que o excesso de trabalho não era o caminho. A mostrar-me que existem coisas mais importante do que o trabalho.
Lição nº 2: Já não quero TER mais. Quero ESTAR mais.
O sabor de uma Slow Life
Depois de ter provado o sabor de uma vida mais slow, não queria voltar atrás. Só de pensar em regressar dava-me um nó no estômago.
A que horas é que ia chegar a casa, para estar com a pipoca e o meu marido?
Como é que ia conseguir ter tempo para mim?
Como é que ia conseguir ter um maior equilíbrio na minha vida?
E foi em plena pandemia que me decido despedir e criar o meu próprio negócio. A IQUALL que vai contribuir para um Impacto (I) Igual (EQUAL) para Todos (ALL).
Felizmente tudo acontece por algum motivo. O que aprendi ao longo de mais de uma década (metodologias Kaizen e DISC) permite-me trabalhar cerca de 4 horas por dia e com isso consegui escrever um livro, criar o meu site e cursos, fazer mentorias, a mascote do eterno aprendiz e ainda servir como voluntária na Cruz Vermelha.
Não, não precisamos de “sangue, suor e lágrimas” para fazer evoluir o negócio. E eu estou aqui facilitar o caminho dos empreendedores (pequenos negócios) que querem ter um maior equilíbrio entre o seu negócio e a sua vida pessoal (Slow Business).
Aos eternos aprendizes que querem SER e FAZER melhor.
Os benefícios do Slow Living
Para mim, esta caminhada está a ser um rejeitar de uma cultura de:
- “tudo para ontem”
- de olhar só para o nosso umbigo
- fazer várias coisas ao mesmo tempo
Não deixo de pensar no quanto podemos ser mais felizes, com uma vida mais simples…
- com menos tralhas para arrumar
- com menos exigências para que os filhotes tirem as “melhores notas”
- com menos apontar de dedos e comparações entre adultos.
Tenho plena noção que continuo a ser intensa, enérgica e determinada. Mas agora o foco não é o meu lado profissional. Sou eu.
Yep, demorei muito tempo (11 anos) a chegar a esta conclusão. Ou talvez não tenha sido muito tempo. Apenas o meu tempo.
Esta é apenas a minha história e a minha nova forma de viver. E sei que não tenho o poder mágico de mudar a vida de ninguém. Tenho é uma vontade imensa de partilhar aquilo que aprendi até ao momento, que me ajudou a mim, às equipas e aos empreendedores com que trabalho a…
Viver uma vida mais plena e equilibrada.
Desejo-te uma boa viagem, eterno aprendiz!
Até breve
Ângela Silva – Mentora de Slow Business